Crítica

Cenopoesia o não-espetáculo

A respeito da cenopoesia, espetáculo poético-músico-dramático, se é que assim podemos definir, criado e reinventado pelo poeta Ray Lima, tem que se ter em mente o fato de estarmos diante de algo nunca feito antes. E talvez daí resulte a grande dificuldade deste tipo de abordagem.


Não é possível na intervenção cenopoética, por parte do público, a absorção da música, do poema, ou da cena dramática separadamente, e nem em conjunto ou fundidos num só resultado. Na verdade podemos dizer que a cenopoesia nos subtrai qualquer tentativa de reter sons, imagens ou palavaras. Só nos é permitido sentir. O que nos é apresentado é um roteiro de sentimentos, um roteiro emocional, alias, como deve ser a poesia: que tem como sua função principal a comoção. Na cenopoesia nada pode ser mensurado ou decodificado. O espetáculo cenopoético coloca o espectador-ouvinte-leitor em constante movimento sensorial e físico, mas de tal intensidade que em muitos momentos nos colocamos inertes sem saber para onde serão levados pensamentos olhos e sentimentos.


Cada vez mais me convenço de que a poesia em sua totalidade é inacessível ao ser humano e que a grande angústia do poeta é ver que tendo criado o objeto artístico, a obra, ou o artefato poético, não consegue, nem ele nem ninguém, absorver, conhecer, dominar, ou alcançar esta obra na sua totalidade ou em todas as suas perspectivas e possibilidades. Ou seja, é como se o poeta construísse uma casa onde nunca ninguém jamais (e nem ele mesmo) pudesse conhecer todos os cômodos. A deliciosa iguaria que ninguém comerá, o caminho a cujo final ninguém chegará.


A cenopoesia confirma esta modesta constatação.


Acompanhado dos músicos Johnson Soares, Jadiel Lima, Filippo Rodrigues e do dramaturgo Junio Santos. Ray Lima, através de sua genialidade nos deixa entregues a uma memória de fantasmas, encantamento e reflexões, sem aviso, sem a lógica convencional, sem principio e fim, como a poesia deve ser.

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